Para quem esperava mais um filme do bem contra o mal, com um Batman invencível, cheio de clichês prontos, e até mesmo que lembrasse o Edward brilhando ao sol, vai se surpreender. The Batman é um filme de super-herói, mas sem ser. Ele é denso, sombrio, com a representação de uma Gotham City caótica, mas não caricata, e um Batman nunca visto antes no cinema, recluso, descontrolado, vingativo, mas acima de tudo humano.

The Batman – Roteiro de Matt Reeves

Uma questão que vinha na mente de muitos era: será possível reinventar o Cavaleiro das Trevas após tantas versões já escritas? O diretor americano Matt Reeves (Planeta dos Macacos: O Confronto e A Guerra) mostra que sim. Com naturalidade e inteligência, o roteiro, que também é assinado por Peter Craig, faz com que três horas passem em um piscar de olhos. O primeiro acerto do longa é pular a clássica e já tão conhecida motivação do Bruce Wayne para a luta contra a criminalidade: a trágica morte de seus pais, Thomas e Martha Wayne, no Beco do Crime. The Batman inicia-se no segundo ano de atuação do vigilante na escura e assustadora Gotham City, mais precisamente em uma chuvosa noite de Halloween — uma referência bem-vinda a O Longo Dia das Bruxas (1996) que se prolonga durante o filme — onde a narração do próprio Cavaleiro das Trevas faz a contextualização dos fatos. Nesse cenário, o Batman já é uma figura conhecida na cidade, conta com o auxílio de seu mordomo Alfred, o único a saber da sua identidade secreta, e trabalha com o apoio de Jim Gordon, que ainda não se tornou comissário, fato que desagrada os corruptos da polícia local. É então o misterioso assassinato de uma figura importante de Gotham que coloca o maior detetive do mundo, como ele é conhecido, em plena investigação. Essa é a primeira morte em uma série de assassinatos de pessoas influentes da cidade que levam sempre a enigmas endereçados ao Batman. A trama ganha então ares de uma investigação noir, onde a resolução de cada um dos enigmas os aproximam da descoberta do objetivo e da identidade do Charada — um serial killer sádico e perfeccionista, com personalidade diferente da extravagante interpretada por Jim Carrey em Batman Eternamente (1995). Enquanto o tenente Gordon busca formas legais de descobrir a identidade do assassino, o quebra-cabeça arquitetado por Charada leva o Morcego ao encontro de figuras criminais bem conhecidas de Gotham como o grande chefe do crime Carmine Falcone e seu subordinado, o Pinguim. E tem sua atenção atraída por Selina Kyle, a Mulher-Gato, uma aliada na busca por respostas que pode colocar até mesmo os segredos da família Wayne em risco.

O Batman de Robert Pattinson

Ao analisar a personalidade do novo Batman criado por Reeves, é possível perceber o quão acertada foi a escolha de Robert Pattinson para o papel. Na contramão dos demais — Adam West, Michael Keaton, Val Kilmer, George Clooney, Christian Bale e Ben Affleck — o Bruce Wayne de Pattinson não utiliza sua figura pública de bilionário e filantropo para esconder seu alter-ego noturno. Pelo contrário, ele é uma figura reclusa e sombria em Gotham City, o que pode lembrar outros personagens já vividos pelo ator em Cosmópolis (2012) e Bom Comportamento (2017). Longe das grandes produções hollywoodianas desde que finalizou a saga Crepúsculo (2008 – 2012), onde interpretou o vampiro Edward Cullen, Pattinson se dedicou ao circuito independente de filmes, sendo aclamado pela crítica por sua atuação. Após ser escolhido por Reeves para substituir Ben Affleck como o Cavaleiros das Trevas, o ator sofreu críticas severas, que questionavam até mesmo o seu físico, além da sua capacidade de fazer um Batman crível. Mas o Batman de Pattinson brilha, mas não é no Sol. Afinal nem tem Sol, é Gotham! Inexperiente, traumatizado e algumas vezes descontrolado, o Batman lida com suas questões psicológicas ao longo da trama enquanto enfrenta uma gama de vilões já conhecidos do público — podemos ver uma forte influência de Batman: Ego, HQ de 2003, pouco conhecida que retrata a dualidade do Homem-Morcego, e um estilo muito mais próximo do que foi criado para Coringa (2019), do que visto nos filmes do Morcego anteriores. “Eu sou a vingança”, essa é uma frase repetida na sua luta contra o crime. Questionar a natureza heroica do Batman, e coloca-lo mais na pele de um vingador do que de um herói super-correto é algo que ocorre com perfeição ao longo da trama, enquanto o personagem amadurece e questiona até mesmo as suas origens. Apesar de não haver nenhum vislumbre da morte de seus pais, a presença desse gatilho é percebido de forma tocante em uma cena onde seus olhos encontram um garoto recém-órfão, o ar dramático e a atuação maravilhosa de Pattinson nos dá toda dimensão da dor interior do personagem, de forma talvez mais sensível que outra recriação da tragédia dos Wayne. É a auto-descoberta, a profundidade e a introspecção no olhar do Bruce Wayne, além dos caminhos que o levam a repensar o quão perto está de se tornar ele mesmo um vilão e enfim priorizar a justiça em vez da vingança que tornam esse o Batman mais humano, sombrio e real já retratado no cinema. E sem faltar a pancadaria clássica e necessária para dar vida ao super-herói, mostrada de forma sombria, gráfica, mas não tão coreografada e imbatível, como visto no seu antecessor.

Coadjuvantes de peso

São as bem construídas relações e a escolha do elenco que dão um toque ainda mais especial ao filme. A luta idealista e centrada do Batman começa a ganhar tons de cinza com a chegada da Selina Kyle interpretada por Zoë Kravitz. Na trama, a Mulher Gato é apresentada como uma mulher forte e cativante. Uma ladra com objetivos pessoais, decentes, mas vingativos e que parecem refletir a personalidade do próprio Batman. Sua química é instantânea frente ao Homem-Morcego e, juntos, eles encenam as melhores cenas do longa. O Batman ainda conta com dois outros aliados: o Alfred de Andy Serkis, que mostra seu lado proativo e militar, auxiliando o vigilante de Gotham até mesmo com os enigmas deixados pelo serial killer, mas também o lado paternal, que se preocupa com o Bruce Wayne acima do Batman Há também Jim Gordon, de Jeffrey Wright, um dos poucos policiais honestos de Gotham, conexão que parece natural e é importante, pois é o Gordon que traz o Morcego para a investigação central do longa e participa ativamente dela, como nunca visto antes. Partindo para seus arqui-inimigos, cujo objetivo é mostrar toda a corrupção e criminalidade que domina Gotham, a produção, claramente inspirada em Fredo Corleone de O Poderoso Chefão, traz Colin Farrell na pele do Pinguim como um grotesco gangster que age nos bastidores para o chefe do crime de Gotham, Carmine Falcone interpretado por John Turturro. Todos são peças do quebra-cabeças de Charada. O personagem, anteriormente retratado de forma caricata, surge em uma pele totalmente nova e crível sob a atuação de Paul Dano, inspirado em outros serial killers das telonas, como vistos em Zodiaco (2007) e Se7en — Os Sete Crimes Capitais (1995), e até mesmo um toque de Jigsaw de Jogos Mortais (2004). É possível sentir sua presença em cena pela respiração ofegante, acompanhar seu ponto de vista, e, a cada enigma resolvido, conhecer as suas motivações. O principal vilão de The Batman, então, na verdade só deseja: vingança. A moral do nosso herói é então colocada a prova: Charada e Batman são faces de uma mesma moeda? O objetivo é expor aqueles que realmente fazem de Gotham City uma cidade criminal, corrupta e sombria, apenas utilizam métodos diferentes e exagerados para isso.

Fotografia e trilha sonora

Como nas produções de filmes antigos de investigação em preto e branco da década de 40, tão comum no cinema norte-americano, The Batman utiliza de recursos como narração off — que pode parecer demais em alguns pontos —, femme fatale e uso aprimorado da iluminação, em um neon característico das grandes metrópoles e das penumbras na fotografia para construir uma melhor imersão ao mesmo tempo que faz homenagens ao cinema clássico americano — assim como sua duração longa reflete isso. Junto com a fotografia, a trilha sonora de Michael Giacchino também entrega tudo aquilo e mais um pouco para o mais novo filme da DC Comics. É possível notar o equilíbrio nas composições sonoras, que tão bem combinam com desenrolar da trama, variando de tambores tribais tensos a Nirvana e ópera. Tudo isso permite uma experiência incrível e de encher os olhos — e os ouvidos também.

Conclusão

The Batman é um filme longo, isso é fato. Mas ao sair da sala de cinema se tem a impressão que viveu tudo o que houve para ser vivido e que as quase três horas do longa valem a pena. A origem do Batman não precisou ser revida, para ser sentida. Ao invés disso, temos a construção da sua personalidade, as nuances de sua dualidade e a virada de chave onde o vigilante coloca finalmente a justiça acima da vingança. Os ingressos para The Batman, que estreia dia 03, já podem ser adquiridos pela internet através do site Ingresso.com.

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